CARTEIRA DE TRABALHO OU NOTA FISCAL?

José Pastore - O Estado de S.Paulo - 22.03.2005

Pelo noticiário da imprensa, a Medida Provisória 232 vai fazer pontaria nos prestadores de serviços que não têm empregados. O governo parece inconformado com o fato de muitos profissionais trabalharem sozinhos. Pela sua vontade, eles deveriam ser empregados ou empregadores.

Quem está fora disso vai recolher impostos sobre uma base de 40% e que, em 2003, era de 12%.

As autoridades argumentam que o aumento em cima das empresas de um homem só (ou de uma mulher só) visa a garantir "isonomia", porque os que trabalham com carteira assinada recolhem mais impostos do que os fornecedores de nota fiscal.

O governo deve ter-se espantado com o número de empresas sem empregados, que, em 2002, chegaram a 3,1 milhões, envolvendo cerca de 4,3 milhões de sócios e proprietários (Cadastro Central de Empresas, IBGE, 2002). Tais empresas têm se multiplicado e, dentre elas, há de tudo, desde as pequenas lojas, lanchonetes e restaurantes, que são tocados por seus proprietários, até os serviços de arquitetura, engenharia, informática e os que prestam assistência a outras empresas, como consultores, redatores, artistas ou profissionais liberais.

A proliferação dessas empresas reflete a dinâmica do mercado de trabalho, que passa por uma grande revolução. As autoridades do governo parecem ignorar o surgimento de novas formas de atividade, como é o caso do trabalho por conta própria - intermitente, casual ou como parte de um projeto - o teletrabalho, as subcontratações, a terceirização, as parcerias, etc. São fenômenos que surgiram em decorrência da necessidade de especialização e de otimização dos recursos humanos.

Já foi o tempo em que as empresas faziam de tudo em grandes plantas produtivas e de maneira verticalizada. Hoje elas se concentram naquilo que não pode ser contratado fora. A tendência é a de produzir em redes de profissionais e de empresas, maximizando suas vantagens comparativas. A competição é entre as redes, e não entre as empresas.

Os prestadores de serviço, porém, são vistos pelo governo como espertalhões que criaram suas empresas para fugir da ação do Fisco, quando, na verdade, na sua maioria, eles deixaram de ser empregados não por opção, mas por necessidade de se adaptarem à nova realidade do mercado de trabalho e em decorrência da rigidez da legislação trabalhista, que, para a contratação de um empregado, impõe ao contratante uma despesa de 103,46% sobre os salários.

Nas novas condições, as empresas passaram a utilizar os talentos desses profissionais na hora certa e na medida certa.

Pois é sobre eles que se vai descarregar a artilharia tributária, em lugar de se modernizarem as leis trabalhistas. Os prestadores de serviços só escaparão do grosso ataque se contratarem empregados e provarem gastar com eles mais de 20% de sua renda. É a mania de querer criar empregos por meio de leis e penalidades!

Ora, se esses profissionais trabalham sozinhos, é porque não precisam de colaboradores. Para que um anestesista vai contratar um empregado? Que rerforçar um prestador de serviços a empregar mais gente é como induzir oAmyr Klink a contratar um tripulante para a sua apertada Parati.

O resultado é previsível: os dois afundarão.

Ademais, a tese (controvertida) segundo a qual os prestadores de serviços recolhem menos tributos do que um empregado não se sustenta, quando se considera que eles não têm nenhum dos benefícios garantidos pelas leis
trabalhistas - 30 dias de férias, um terço de abono, um mês de aviso prévio, licenças remuneradas, indenização de dispensa, etc.

Eles vivem num outro nicho do mercado de trabalho, que nada tem que ver com o emprego. Eles foram repudiados como empregados e não podem ser empregadores.

A perseguição à terceirização tem sido a marca do governo atual e da maioria dos dirigentes sindicais, que atribuem à subcontratação a causa da precarização do trabalho. Há casos em que isso ocorre e precisa ser corrigido. Mas não se podem tratar infrações trabalhistas com pressão tributária.

Em busca de uma pseudo-isonomia, o governo vai aplicar uma forte penalidade a quem encontrou no trabalho legal a única maneira de manter sua vida.

É uma grande injustiça praticada em nome da necessária justiça. E o Severino diz que o assunto foi bem resolvido...

José Pastore é professor da FEA-USP. Este artigo é publicado na edição de 22 de março, de O Estado de S.Paulo (www.josepastore.com.br)


Nota da Equipe Guia Trabalhista: na verdade, a pequena empresa de serviços paga mais tributos do que um assalariado. Confira, lendo o artigo Profissional Liberal paga Muito Imposto, Sim Senhor!

 

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