A central de medicamentos
Reydrogas Comercial Ltda foi condenada pela Primeira Turma do Tribunal Superior
do Trabalho a pagar a uma ex-funcionária da unidade de Salvador (BA) indenização
decorrente de dano moral por manter um supervisor nos vestiários para observar
os empregados a se despir. A ex-empregada que move ação contra a empresa
contou que havia duas vistorias por dia, na saída para o almoço e ao final do
expediente. Ela levantava a blusa e baixava a calça diante de uma supervisora.
Essa revista visual equivale à revista pessoal de controle e, portanto, ofende
o direito à intimidade, disse o ministro João Oreste Dalazen, relator do
recurso da ex-funcionária que trabalhou na empresa como auxiliar de estoque. O
pedido de indenização por dano moral havia sido negado pela primeira e segunda
instância da Justiça do Trabalho.
Dalazen disse que o empregador excedeu os limites do poder diretivo e
fiscalizador. Para ele, essa forma de supervisão, apesar da justificativa da
empresa – evitar furtos e impedir que substâncias psicotrópicas sejam
indevidamente consumidas –, não tem amparo da lei. “Penso que nem em nome
da defesa do patrimônio, tampouco por interesse supostamente público pode-se
desrespeitar a dignidade humana”, afirmou.
O valor da indenização foi arbitrado em R$ 20 mil. Na fixação dessa quantia,
a Primeira Turma do TST considerou a “intensidade do sofrimento do ofendido, a
gravidade, a natureza e repercussão da ofensa e a situação econômica do
ofensor”. A partir de consulta feita ao site da empresa na internet, o
ministro citou que ela tem 270 representantes comerciais e está presente em 15
Estados.
A Reydrogas alegou que não realizava, a rigor, uma revista, mas um
acompanhamento, com a manutenção, no vestuário, de um supervisor do mesmo
sexo que “não tocava em qualquer empregado”. Segundo a empresa, o vestiário
coletivo tem semelhança com aqueles utilizados pelos times de futebol ou outra
modalidade de esporte. Para o ministro-relator, entretanto, o fato de haver uma
supervisora para observar o despimento parcial da empregada já constitui agressão
à intimidade.
Dalazen lembrou que em outros precedentes do TST a condenação de empregadores
foi pela revista íntima dos empregados, com inspeção pessoal realizada por
representantes do empregador para verificação de eventual furto de produtos. Não
se trata, exatamente, da revista visual realizada pela Reydrogas, afirmou. Ele
também considerou “compreensível” a preocupação da empresa com a guarda
de substâncias psicotrópicas, devido à possibilidade de ocorrer furtos e também
pelos riscos de danos econômicos e sociais decorrentes do consumo inapropriado
de produtos alucinógenos.
Entretanto, o ministro observou que, quando se trata de danos morais, os propósitos
do causador do dano não o isentam do pagamento da indenização devido “a
objetividade que orienta a responsabilização pela prática do ato infringente
a direito de personalidade”. O dano moral caracteriza-se pela ocorrência do
ato ilícito ou culposo ou com abuso de direito; o nexo causal entre o ato e o
resultado lesivo e o resultado lesivo ou prejudicial”, enumerou.
No caso da revista visual, o relator afirmou que foram configurados a culpa e o
nexo causal porque se tratava de imposição do contrato de trabalho e o que
deve se examinar é a existência objetiva do dano. “Configurado o ato danoso
ao patrimônio moral do empregado, inexorável a indenização
correspondente”, disse.
O relator observou que o controle exercido pela empresa com a finalidade de
fiscalizar eventual furto de produtos deve respeitar os limites do ordenamento
jurídico e que o respeito à intimidade e à dignidade do trabalhador constitui
uma condição essencial para a estabilidade nas relações trabalhistas. Dessa
forma, enfatizou, o poder de direção patronal está sujeito a “limites
inderrogáveis, como o respeito à dignidade do empregado e à liberdade que lhe
é reconhecida no plano constitucional”.
Dalazen afirmou que é obrigação do empregador e seus prepostos respeitarem o
direito subjetivo do empregado à própria intimidade, pois a “inserção do
trabalhador no processo produtivo não lhe retira os direitos da personalidade,
cujo exercício pressupõe liberdades civis”.
Para o ministro, a circunstância de a supervisão ser feita por pessoa do mesmo
sexo é irrelevante, pois o constrangimento persiste, ainda que em menor grau.
“A mera exposição, quer parcial quer total, do corpo do empregado
caracteriza grave invasão à sua intimidade, traduzindo a incursão em domínio
para o qual a lei franqueia o acesso somente em raríssimos casos e com severas
restrições, tal como se dá até mesmo no âmbito do direito penal”, disse.
Dalazen afirmou que a empresa teria outras opções de controle, não-agressivos
à intimidade de seus empregados, tais como o controle numérico dos
medicamentos, o monitoramento por câmeras de vídeo nos ambientes em que há
manipulação dos produtos e a verificação contábil mais detalhada do
estoque. “Em conclusão, embora não se cuide,aqui, a rigor, de revista
pessoal, o comportamento da empregadora traduz nítido desrespeito à intimidade
da empregada”, disse. Ele lembrou que a empresa já foi condenada por danos
morais em outro processo julgado pela Primeira Turma do TST. (RR 2195/1999).
Fonte: TST 15.06.2004