O
alcoolismo crônico não deve dar ensejo à demissão por justa causa.
Sendo reconhecido formalmente pela Organização Mundial de Saúde
como doença e relacionado no Código Internacional de Doenças (CID)
como “síndrome de dependência do álcool”, ao alcoolismo não se
aplicaria o artigo 482 da CLT, que inclui a “embriaguez habitual ou
em serviço” entre os motivos para tal. Este foi o entendimento
adotado pela Subseção 1 Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1)
do Tribunal Superior do Trabalho ao dar provimento a embargos em
recurso de revista movido por um ex-funcionário do BRB – Banco de
Brasília.
Os embargos foram relatados pelo ministro João Oreste Dalazen. Num
longo e detalhado voto, o relator ressaltou que o alcoolismo “é
patologia que gera compulsão, impele o alcoolista a consumir
descontroladamente a substância psicoativa e retira-lhe a capacidade
de discernimento sobre seus atos”, merecendo, por isso,
“tratamento e não punição”.
O bancário, admitido em 1990, foi demitido em 1997 por justa causa
depois de vários anos de tentativas de tratamento para vencer o
alcoolismo. Nesse período, esteve internado 15 vezes em clínicas de
reabilitação, e em várias delas abandonou o tratamento antes da sua
conclusão ou cometeu infrações que levaram a seu desligamento das
clínicas. Em sua ficha de acompanhamento social, o BRB registrou
todos esses episódios, faltas injustificadas, comparecimento ao serviço
sob efeito do álcool e problemas familiares. Finalmente, após
instauração de processo administrativo motivado por vários dias
consecutivos de faltas não justificadas, o Banco efetuou a demissão
por justa causa.
O bancário, porém, não compareceu ao sindicato para a homologação
da rescisão contratual. No cálculo das verbas rescisórias, o Banco
apurou um líquido negativo de R$ 2.350,00, o que o levou a ajuizar
reclamação trabalhista na 14ª Vara do Trabalho de Brasília pedindo
a declaração da extinção do contrato de trabalho, a homologação
judicial da rescisão e a condenação do empregado à devolução
daqueles valores.
A Vara do Trabalho considerou o pedido improcedente. Em sua sentença,
o juiz da reclamação observou que “o alcoolismo, atualmente, é
tido como uma doença pela própria Organização Mundial de Saúde”,
e que “todas as faltas expostas como geradoras do despedimento
motivado, na realidade, decorreram da doença a que [o trabalhador]
está acometido.” Diante disso, considerou que “não seria razoável
que o empregado fosse despedido em decorrência de atos causados pela
sua doença e praticados inconscientemente, sem qualquer intenção
(dolo) ou culpa”.
A decisão levou o BRB a ajuizar recurso ordinário junto ao Tribunal
Regional do Trabalho de Brasília (10ª Região), mas este negou
provimento ao recurso. O Banco recorreu então ao TST, por meio de
recurso de revista julgado pela Quinta Turma do Tribunal. A Turma
acolheu as argumentações do Banco e deu provimento ao recurso,
caracterizando a justa causa, por considerar que o caso se enquadrava
na “embriaguez habitual ou em serviço” prevista no art. 482, alínea
“f”, da CLT. Tal decisão fez com que, desta vez, o empregado
ajuizasse embargos em recurso de revista visando ao restabelecimento
da decisão original.
Considerando a posição atual da Organização Mundial de Saúde em
relação ao alcoolismo, o ministro Dalazen registrou que “o dramático
quadro social advindo desse maldito vício impõe que se dê solução
distinta daquela que imperava em 1943, quando passou a viger a letra
fria e hoje caduca do art. 482, ‘f’, da CLT, no que tange à
embriaguez habitual.” Em casos como o julgado, diz o relator, “a
despedida sumária do trabalhador, longe de representar solução,
acaba por agravar a situação já aflitiva do alcoolista.”
A maioria dos integrantes da SDI-1 seguiu o voto do relator, que
entendeu que “cumpre ao empregador, ao invés de dispensar o
empregado por justa causa, encaminhá-lo para tratamento médico junto
ao INSS, provocando o afastamento desse empregado do serviço e, por
conseguinte, a suspensão do contrato de trabalho”. Na avaliação
do ministro Dalazen, “há aí certa incompreensão, ou, quando
menos, falta de caridade, de magnanimidade para com situação grave,
séria e dolorosa, do ponto de vista pessoal e social. Convém
recordar que as empresas têm também responsabilidade social
decorrente de mandamento constitucional.”
Embora ressaltando o valor dos esforços feitos pelo BRB no sentido de
ajudar o trabalhador a superar a doença, o ministro Dalazen concluiu
que “se o empregador optasse por se desvencilhar do empregado
alcoolista – embora se me afigure uma opção pouco caritativa -, o
máximo que poderia fazer seria uma despedida sem justa causa.” (E-RR-586320/1999)
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