Guia Trabalhista


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 ACORDOS TRABALHISTAS - IMPOR UM VALOR MÍNIMO DE CONTRIBUIÇÃO FERE O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

Sergio Ferreira Pantaleão

A Lei 13.876/2019 alterou o art. 832 da CLT, incluindo os parágrafos 3º-A e 3º-B, restringindo a declaração de verbas exclusivamente indenizatórias em acordos trabalhistas feitos entre empregado e empregador.

Antes da publicação da lei, considerando o que foi pedido na petição inicial, caso as partes optassem por fazer um acordo durante o andamento do processo (antes do trânsito em julgado), elas poderiam discriminar a maior parte das verbas do acordo como indenizatórias.

Com isso, de um lado o empregado evitava de ter descontado o INSS e Imposto de Renda de suas verbas e de outro, o empregador evitava de sofrer a incidência dos encargos previdenciários e fiscais sobre as verbas pagas.

Na prática, era uma forma de se utilizar do ganha-ganha, evitando arcar com os encargos trabalhistas e previdenciários incidentes sobre a relação empregatícia, uma vez que não havia qualquer determinação legal que impedisse que tais acordos pudessem ser feitos.

Considerando que o acordo fosse feito após o trânsito em julgado da decisão judicial, o entendimento jurisprudencial a contar de Abril/2010, consubstanciado na Orientação Jurisprudencial (OJ) 376 da SDI-1 do TST, era de que é devida a contribuição previdenciária sobre o valor do acordo celebrado e homologado após o trânsito em julgado de decisão judicial, respeitada a proporcionalidade de valores entre as parcelas de natureza salarial e indenizatória deferidas na decisão condenatória e as parcelas objeto do acordo.

De acordo com o entendimento do TST acima, havendo decisão judicial estabelecendo uma condenação de R$ 20.000,00, por exemplo, e desse montante 40% fossem de parcelas remuneratórias e 60% de parcelas indenizatórias, as partes poderiam formalizar o acordo reduzindo o montante para R$ 14.000,00, sendo R$ 5.600,00 (40%) como parcelas remuneratórias e R$ 8.400,00 (60%) como parcelas indenizatórias.

Não havia, portanto, qualquer limitação mínima de contribuição, já que a base de cálculo era pautada no valor efetivamente pago no acordo, independentemente se a parcela mensal que integrava o vínculo empregatício era maior ou menor que o salário mínimo.

Entretanto, os parágrafos 3º-A e 3º-B incluídos no art. 832 da CLT pela nova lei, estabelecem as seguintes regras nos acordos judiciais:

a) Se o pedido da reclamatória limitar-se expressamente ao reconhecimento de verbas de natureza exclusivamente indenizatória, as verbas constantes do acordo também serão exclusivamente indenizatórias;

b) Caso o pedido não seja de verbas exclusivamente indenizatórias, a parcela referente às verbas de natureza remuneratória do acordo não poderá ter como base de cálculo valor inferior: 

b.1) ao salário-mínimo, para as competências que integram o vínculo empregatício reconhecido na decisão cognitiva ou homologatória;

b.2) à diferença entre a remuneração reconhecida como devida na decisão cognitiva ou homologatória e a efetivamente paga pelo empregador, cujo valor total referente a cada competência não será inferior ao salário-mínimo.

c) Caso haja piso salarial da categoria definido por acordo ou convenção coletiva de trabalho, o seu valor deverá ser utilizado como base de cálculo em substituição ao salário-mínimo.

Salvo equívoco interpretativo da norma, significa dizer que se entre os pedidos na petição inicial, houver um de acúmulo de função, cuja diferença apurada seja de R$ 700,00 mensais, considerando que o texto da lei limita o salário mínimo (ou o piso salarial da categoria) como o valor mínimo a ser considerado como base de cálculo da parcela de natureza remuneratória, se as partes estabelecerem acordo para pagamento de R$500,00 mensais, a base de incidência neste caso não seria R$ 500,00 por competência, mas o salário mínimo (ou o piso salarial da categoria).

Se o empregado que possui determinado direito, abre mão de parte do valor integral a que poderia receber ao final do processo, com o intuito de receber um valor menor à vista, a base de cálculo da parcela de natureza remuneratória deveria ser o efetivamente recebido pelo empregado pelo acordo firmado.

Não parece razoável a intervenção do Estado na liberdade contratual previstas no art. 444 e 468 da CLT e do art. 421 do Código Civil, pois exigir uma base de cálculo maior que o valor efetivamente acordo entre as partes, viola o princípio da legalidade e o da liberdade contratual.

Não obstante, a tratar da incidência da contribuição previdenciária, vale ressaltar o disposto no art. 43, § 5º da Lei 8.212/1991, in verbis:
 
Art. 43. Nas ações trabalhistas de que resultar o pagamento de direitos sujeitos à incidência de contribuição previdenciária, o juiz, sob pena de responsabilidade, determinará o imediato recolhimento das importâncias devidas à Seguridade Social.
...
§ 5º Na hipótese de acordo celebrado após ter sido proferida decisão de mérito, a contribuição será calculada com base no valor do acordo.

A teor do disposto no art. 2º, § 2º da Lei de Introdução do Código Civil, a lei especial prevalece sobre a lei geral, ainda que posteriormente editada, caso não haja revogação expressa de uma ou outra.

Dessa forma, sendo a Lei 8.212/1991 lei especial em relação à Lei 13.876/2019, é de ser aplicada o procedimento executório nela previsto, razão pela qual a imposição do salário mínimo como base mínima de cálculo da parcela de natureza remuneratória para as competências que integram o vínculo empregatício reconhecido, em caso de acordo entre as partes, fere o princípio da legalidade e o da liberdade contratual.

Não bastasse todo o exposto, imprescindível ressaltar o que dispõe o art. 7º, inciso IV da CF, o qual veda a vinculação do salário mínimo para qualquer fim.

A fim de referendar o disposto na CF, o próprio Supremo Tribunal Federal publicou a Súmula Vinculante nº 4, in verbis:

 
"Súmula Vinculante 4: Salvo nos casos previstos na Constituição, o salário mínimo não pode ser usado como indexador de base de cálculo de vantagem de servidor público ou de empregado, nem ser substituído por decisão judicial."

O STF, em decisão proferida no ARE 689583/RO, onde o Relator foi o Ministro Ricardo Lewandowski, deixa claro que a jurisprudência daquela Corte Suprema firmou-se no sentido de que a fixação de piso salarial em múltiplos do salário mínimo ofende o artigo 7º, IV, da Constituição Federal.

Portanto, por todo o exposto, é imprescindível a retificação (ou a revogação) dos parágrafos 3º-A e 3º-B do art. 832 da CLT incluídos pela nova lei, pois, caso contrário, caberá ao poder judiciário negar sua aplicabilidade, com base no art. 43, § 5º da Lei 8.212/1991, que dispondo especificamente sobre a organização da Seguridade Social e seu plano de custeio, estabelece que a contribuição será com base no valor do acordo celebrado ente as partes.

Não obstante, o art. 7º, inciso IV da CF/88, bem como a Súmula Vinculante nº 4 do STF, veda a vinculação do salário-mínimo como indexador de base de cálculo para qualquer fim, o que torna os parágrafos 3º-A e 3º-B, incluídos ao art. 832 da CLT, inconstitucionais.


Sergio Ferreira Pantaleão é Advogado, Administrador, responsável técnico pelo Guia Trabalhista e autor de obras na área trabalhista e Previdenciária.


Atualizado em 30/09/2019.


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